
Esse texto eu escrevi durante o meu pós-graduação "A Filosofia e seu Ensino". Eu acho ele fofo...
“O homem não é senão o seu projeto, só existe na medida em que se realiza, não é portanto nada mais que o conjunto de seus atos, nada mais do que a sua vida”.
“Que significa o fato de a existência proceder à essência? Significa que o homem primeiramente existe, , se descobre, surge no mundo, e que só depois se define.
O homem, tal como concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa quando a si próprio se fizer. Assim, “não há natureza, assim como não há Deus para conceber.”
(Excertos de “O Existencialismo é um humanismo”. Retirado de ALMEIDA, Fernando José de. “Sartre: è proibido proibir”. São Paulo: FTD, 1988.).
Uma reflexão sobre a importância de Sartre para a atualidade, baseada nos trechos citados, poderia começar pelo sujeito. Aqui o sujeito é esvaziado de uma “essência” que o precede, excluindo qualquer debate teológico ou metafísico. O sujeito é livre e único, porque não faz parte de nenhum grande ente universal, não tem um destino definido ou “missão” em sua trajetória terrestre. Foi jogado no mundo, não optou por existir, mas a partir do momento em que se percebe enquanto sujeito é responsável por seus atos e carrega em si todas as dores ou prazeres da existência.
O sujeito não é algo pronto ou moldado por uma essência que lhe confere a humanidade, mas se constrói à medida que se reconhece como um ser diferente dos outros. Ao mesmo tempo em que parece ser o único a ter percepção de si, julga e avalia os outros seres, e acaba percebendo que esses outros seres também o percebem, julgam e avaliam. O indivíduo não é algo fechado em si mesmo, mas constrói sua identidade em contato com outros seres. O reconhecimento de que sua personalidade não é algo dado, um destino, sina ou uma obra da “natureza” é essencial para que o indivíduo possa ser um participante ativo da reconstrução de si mesmo.
A psicanálise freudiana também reconhecia a importância do outro na formação do indivíduo, porém, esse era agrilhoado por seus traumas, principalmente os sexuais, fantasmas edipianos que lhe atormentariam desde a infância. Sartre, pelo contrário, valorizava a capacidade do sujeito de reconstruir suas memórias e ressignificar sua experiência. O sujeito é aquilo que deseja ser, e com base em um projeto é que dá significado à sua experiência.
Essa postura de assumir a própria existência, a princípio, pode ser amedrontadora, pois tira o homem de seu “chão” que são os conceitos morais já estabelecidos pela religião e pelas instituições oficiais que moldam a conduta do indivíduo: a família, o Estado, a escola. Sem valores ou regras que o apóiem, o homem é obrigado a construir seus próprios valores e delinear seus limites, frente a si e ao outro. Não significa que, negando valores estabelecidos, o sujeito cai no hedonismo e numa falta total de responsabilidade: muito pelo contrário, o homem assim livre acaba arcando com uma responsabilidade muito maior, de construir uma ética a luz de sua própria experiência e consciência, e de estar em constante reformulação, nunca satisfeito ou plenamente justificado por seus atos. Sem um Deus que perdoe suas falhas, o jeito é assumi-las e fazer os possível para saná-las.
Enquanto as instituições realizam um esforço contínuo por estabelecer regras e limites, em criar uma burocracia cada vez mais eficiente que garanta punições eficazes aos desvios da norma, menos os sujeitos se responsabilizam por seus atos. A culpa e a aflição decorrentes de uma não adequação às normas geram, ao contrário do que seria o esperado, a violência e a falta de compromisso com o outro.
Sem noção de que é criador de sua própria existência, que só existe porque assim se reconhece, o sujeito age como uma eterna vítima de circunstancias que lhe são externas, e é fora de si que busca a solução para a sua angústia. Deseja um grande amor, mas se nega a começar por construir esse amor dentro de si mesmo. Busca a riqueza e o conforto material, sem nunca questionar quais são suas reais necessidades e se realmente encontra prazer naquilo que alcança.
Sartre nos faz repensar nossa condição de seres ao mesmo tempo presos a uma sociedade que nos molda, mas também livres para reconstruir a própria existência. Enfrentar o desafio de Sartre, de encarar que não somos nada além de nossa própria consciência de quem somos, de que antes e depois de nossa existência é somente o vazio, é um desafio de perder todas as nossas antigas referências de valores, que nos foram dadas, e construir novos valores e ter que arcar com o fracasso decorrente disso. É se colocar fora da correnteza dos acontecimentos e tomar o curso da própria vida.
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