segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Festa de Exus


Foi um dos melhores eventos dos quais participei nos últimos dias: uma festa de Exus.


Meu interesse por frequentar terreiras é fruto, em primeiro lugar, da curiosidade natural que qualquer brasileiro tem com relação a esses cultos estranhos que acontecem na calada da noite. Em segundo, de uma necessidade de ver para depois falar. Porque muita gente emite diferentes opiniões sobre as religiões afro-brasileiras, mas quando se fala em participar de um culto, em entrar na festa, a maioria se barbariza. Muitos prefeririam admitir que deram uma escapada no bordel ou numa boca de fumo do que nesses locais onde "se presta culto ao capeta".


Um dos fenômenos mais interessantes da religiosidade brasileira é o imaginário que se construiu sobre as religiões que se originaram das formas de culto africanas. O preconceito está ramificado em boatos, alusões, associações, que sempre descambam em alguma descrição que inclui perversidades e culto demoníaco. Somos um país colonizado por uma das nações mais católicas do mundo. O catolicismo moldou nossa visão de mundo e de moral, e mesmo que o cidadão se diga um ateu convicto ou um desleixado agnóstico, estará impregnado de catolicismo português na sua maneira de julgar aquilo que lhe parece ser um "desvio de padrão".

Muita gente acredita que as pessoas que frequentam um centro de Umbanda ou Candomblé o fazem com a única intenção de pedir alguma coisa, seja um amor, bens materiais, o abandono de um vício ou a cabeça de um inimigo. Não acreditam que essa religião pode ter como objetivo o desenvolvimento da espiritualidade e do auto-aperfeiçoamento. Aliás, acham que nas religiões afro é feio e interesseiro pedir uma graça em troca de um "ebó" (presente à entidade). Porém, fazer promessa para os santos mártires, distribuir santinhos em agradecimento a graça recebida (o dono da gráfica que os confecciona ficou rico) ou comprar um objeto "ungido" para atrair boa sorte é uma atitude das mais louváveis e santas - como se os meios e o fim não fossem os mesmos.

Há os curiosos que pensam que vão morrer de medo ao ver o povo incorporando. Eu também pensava assim, até ir a primeira vez a uma terreira de Nação, e assistir tudo com a mesma calma que assistiria a uma missa católica. Você acredita que alguém pode correr enlouquecido após ter incorporado alguma entidade feroz e se grudar no seu pescoço? Esqueça, eles nem vão lhe perceber... você só é mais um curioso. Porque todo o culto se desenrola em um espaço bem definido, aos cuidados da entidade que "chefia" a casa.

A festa de Exus foi divertida. São excelentes piadistas. As giras tem aquele ar de mulher descolada, que já viveu e viu o suficiente pra se preocupar com qualquer coisa. E a comida era boa. Nunca imaginei que eu pudesse degustar aqueles bolinhos de carne crua que servem nos restaurantes árabes, mas até que estava bom. Não queria desagradar aos Exus que tão educadamente me ofereceram a iguaria. A cebola crua com viangre foi meio difícl de tragar, mas fiz um pequeno esforço.

O mais engraçado foi a hora do desfecho. O culto estava marcado para terminar as 23:00, e um pouco antes disso começaram a cantar os pontos para os Exus irem embora. Porém, tinha um povo composto por Seu Tiriri, Tranca Rua e Meia Noite que não queria sair da balada. O Tiriri até tentou sair de fininho e se esconder dentro da casa. Mas como toda terreira tem seus "guardas" (uma espécie de segurança de boate), os inconvenientes foram levados até a porta e mandados embora. Tem um gestual específico pra isso, e é tiro e queda: em questão de segundos, o médium está ofegante e você não reconhece mais aquela figura debochada que estava ali há minutos atrás.

A Umbanda tem essa magia, que é fruto de uma bem sucedida mistura de culto afro com kardecismo e religiosidade indígena. É o local onde os excluídos do Brasil colonial se encontram para festejar, dar conselhos esbanjar sabedoria de vida. Ente as entidades, encontram-se prostitutas, malandros, escravos, pajés, e tudo aquilo que fugia ao padrão cultural e estético dos "civilizados europeus católicos".

Enfim, não sou umbadista. Mas aprendi a admirar e respeitar essa importante manifestação da cultura popular brasileira. Esta é uma face do racismo que poucas pessoas enxergam: respeitam a cultura africana pelo samba, mas não pela religião. Negro sambando, diverte. Adorando suas entidades, agride.