
Acenda o incenso do jeito correto: "não presta" se ele queimar inteiro. Guarde o tarô dentro de um pano, coloque tais elementos no seu altar, numa noite de lua cheia, numa sexta feira, na hora combinada, recite tais e tais palavras: blah blah blah e o ritual mágico estará realizado. Vire a cama para o norte, o altar para o sul, o sofá e a televisão para oeste e a cozinha para leste (estou inventando). O Universo, os Espíritos Superiores, as forças da natureza estarão trabalhando sob o seu comando.
Sou cética e insensível a toda essa conversa, pregada por algumas seitas "neo-pagãs". Primeiro porque justificam esses rituais em origens remotas - aos celtas, por exemplo - e descrevem práticas que nunca ocorreram. Se ao menos admitissem que inventaram algo completamente novo, seria muito digno de respeito.Porém, como historiadores, são excelentes bruxos. Adaptam os costumes desses povos a um passado fantasiado, que justifica a beleza, complexidade e estética dos seus rituais bonitinhos.
Falam de um medievo mágico, com suas feiticeiras executando, na calada da noite, seus rituais magníficos. Porém, estudos históricos mais recentes mostram uma realidade que não tem nada desse misticismo cativante: curandeiras, parteiras, seguidores das "heresias", membros remanescentes de suas religões originais sendo executados nas fogueiras inquisitorias, pelo simples fato de pertencer ao sexo demoníaco - o feminino -, ou por se desviarem dos rígidos preceitos católicos. Nada de bruxinhas de cabelos e capas longas dançando em volta da fogueira, com suas vassouras cheias de fitas.
As religiões antigas e fundamentais seguem rituais e preceitos rígidos, e de certa forma também os justificam em um passado mítico e literário. Porém, não reivindicam para si o status de historiadores ou cientistas. Esa onda de misticismo "cientificamente comprovado" ou "embasado em fontes hitóricas" é uma tentativa malograda de se adapatar aos novos tempos, e mostrar a esses "cientistas arrogantes, isolados em suas torres de marfim" que em termos de magia, tudo se prova e se comprova.
Prefiro defender a tese de que as proposições que dizem respeito ao ocultismo não são passíveis de comprovação científica. Ou, pelo menos, muitos desses "estudos científicos" não passam de pseudociência. Qual o estudo científico pode comprovar que, numa consulta de tarô na qual a pessoa escolhe cartas viradas, o "inconsciente", "energias" ou "espíritos iluminados" guiaram a pessoa a escolher as cartas certas? Repetir milhões de vezes a experiência? Ciência é muito mais do que repetição! Um estudo científico deve ser "falseável". E quando falamos em inconsciente, energias áuricas, anjos e espíritos iluminados, estamos nos referindo àquelas coisas cuja existência é impossível provar ou negar. Se uma hipótese não é passível de ser desacreditada a partir de um estudo sistemático, então ela não é científica.
Ainda assim, porque cultivo práticas como tarô, rituais, contato com guias espirituais, etc? Simplesmente porque isso faz parte de minha formação cultural, existencial, e mexe com minha sensibilidade e imaginação. Não preciso me tornar atéia só para provar que sou capaz de reger meu próprio destino, ou que sou inteligente. Afinal de contas, posso abandonar uma crença qualquer sempre que ela se tornar defasada. Alguém se preocupa em provar cientificamente que está apaixonado? Porém, existe experiência mais transcedental do que a paixão, na qual o outro se torna Deus? A maioria dos fatores que formam nossa personalidade e dão sentido à existência são ilógicos e contraditórios: seguimos simplesmente pela tradição e força do hábito. Afirmar que o ateísmo ou agnosticismo é única forma de reger a própria vida sem nenhuma influência de fatores irracionais é uma piada.
Religião e esoterismo não precisam se adequar às regras da Ciência para provar sua legitimidade. Você pode simplesmente podar o fanatismo e a intolerância, além de manter um senso crítico profundo diante de suas crenças, livrando-se daquelas que são um entrave ao seu desenvolvimento pessoal. É essa postura flexível que defendo: não imagine-se na paranóia de ser perseguido por um Deus iracundo, prestes a te jogar nas chamas do inferno caso suas crenças não sejam atreladas à grande Verdade. Use a religiosidade com um aliado ao crescimento pessoal, não como uma fuga ou um "freio" ou desculpa aos seus defeitos.
Portanto, voltando ao título: crie seus próprios rituais. Não caia na balela de acreditar que isso ou aquilo está correto porque "está provado". Descubra o que você precisa para se sentir mais conectado à pensamentos elevados e ao seu "self". Velas, cartas, imagens de anjos, ou simplesmente uma bela paisagem: consulte seu íntimo e faça aquilo que lhe aprouver. Pode ter certeza que nenhuma energia maligna vai cruzar o seu caminho e minar sua paz de espírito.