sábado, 2 de maio de 2009

Educação sexual e mecanismos de controle: "O que não tem governo nem nunca terá"


"Passar a mão"
Estudei no ultaconservador Colégio Adventista de Novo Hamburgo. De tempos em tempos, tínhamos palestras sobre os perigos de ter relações sexuais antes do casamento, e sobre como nos tornaríamos pervetidos, promíscuos e irremediavelmente condenados ao fogo de Geena caso ficassemos pensando "naquela coisa" o tempo todo. Descobri, para o meu espanto, que masturbação queima os glóbulos vermelhos do sangue. Comecei a olhar meus coleguinhas e ver se eles não andavam meio branquinhos... qualquer um com diagnóstico de anemia seria suspeito.
Tínhamos um colega, se chamava Lázaro, com um sério distúrbio de comportamento sexual: gostava de mostrar a sua "cousa" para as meninas, e "passar a mão" de cima a baixo, desde que nenhuma parte fosse desprezada. Numa dessas palestras, o pastor falava, aos brados, a respeito de jovens endemoniados que viviam atormentados por pensamento unicamente direcionados ao SEXO (essa palava era grifada em sua fala com maiúsculas e negrito). As meninas da turma começaram a olhar para o Lázaro e rir baixinho. O pastor continuou seu discurso aos brados, dessa vez com o dedo em riste apontado para ele, com olhar o alucinado de quem esconjura!! O guri se escondia atrás da touca do casaco, querendo entrar no chão da Igreja. Bem feito!
Nesse mesmo ano, eu estava na sexta série, descobri o significado do termo "explodir de hormônios". O lance era "passar a mão" nas gurias. Foi nessa época que eu tive que aprender a me defender. Nunca tive muita força física, mas tinha amigas, e se precisasse a gente encurralava o taradinho no canto da sala, de três, e dava-lhe uma sova. Aprendi também uma outra forma eficiente de punição: canetaço nas costas. Além de doer, deixava manchas. O problema, era que tinha as mais "safadinhas": nossa colega que gemia "pára Betooooooooooo" com um sorriso de orelha a orelha, e uns tapinhas de preliminares ao acasalamento. Porque diacho os guris tinham que se meter com a gente? Tambem tínhamos nossas fantasias, é óbvio, mas queríamos fazer tudo "certinho", escolhendo a hora e o felizardo. Mas como diziam os Adventistas: "O justo paga pelo pecador".
Cresci, fiz faculdade, e fui dar aula para a quinta e sexta séria. O pesadelo das mãos bobas havia voltado. Mas agora eu estava imune pelo pouco de autoridade que ainda me resta: meu papel era defender as menininhas indefesas. Indefesas? Difícil era encontrar alguma que admitisse que gostava, mas não eram poucas. Então o lance era defender ambas, as que gostavam e as que queriam se preservar.

Vi coisas surreais. A mais absurda foi no ginásio do CIEP, onde ainda trabalho. De repente, o guri atira a guria no chão e dá-lhe uma passada de mão daquelas, do Oiapoque ao Chui, de Gog a Magog, em longitude e latitude. Fui interferir e a guria gritou: "Ô sôraaaa manda ele paraaaar". Mas a sua risada alegre, o sorriso iluminado e satisfeito, foi inesquecível: parecia criança vendo o trenó do papai Noel. Na hora, pensei: "se mando ele parar, e ele pára, essa guria me dá uma surra!"
Ainda assim, cumpri com meu papel de mestra e dei uma carraspana no guri. Ele vêm pra mim sem camisa, suado feito um leitão, e com um olhar cravado de testosterona me responde, ilustrando a frase com gestos com a mão: "É que essa guria é... corrimão de quartel!" Eu não podia discordar dele. Deixa quieto...

A história da "passada de mão" não muda. Mas o que para mim é novidade são as brincadeiras que os guris fazem ente eles, de passarem a mão na bunda uns dos outros ou "pegarem nos peitinhos" dos colegas. E nem ficam ofendidos se você brinca a respeito de uma certa viadagem recalcada. Riem junto. Legal, o mundo está menos preconceituoso...


Sexualidade na adolescência é "aquela coisa" que quem educa está sempre tentando ensinar seus pupilos a domar, aproveitar racionalmente, saber esperar. Mas tem horas em que a gente se conforma em pensar na música do Chico Buarque: "O que será, que será? / que todos os avisos não vão evitar (...) /o que não tem descência nem nunca terá / o que não tem vergonha nem nunca terá/ o que não faz sentido"...

Um comentário:

Maurício R. disse...

Novidade para mim é essa das cocotinhas dando risada, apesar de não me recordar de ter levado algum tapa na cara na escola...

Mas a gurizada brincava de uma forma até mt séria entre eles, a ponto de não sentar em uma cadeira que tivesse desenhado uma piroca, por exemplo. Era preferível sentar no chão do que virar motivo de chacota e ainda ouvir perguntas do tipo "Tá gostoso ?"... Realmente, não valia pena.